terça-feira, 6 de julho de 2010

Cineclubes, ou o dia em que quis ser católico

Por Leandro Lança

A finalidade comum de um cineclube é a divulgação, a pesquisa e o debate do cinema. Recentemente, lendo uma dissertação acadêmica sobre cinema e religião, descobri informações interessantes. Por exemplo: O primeiro cineclube brasileiro foi fundado em 1928 no Rio de Janeiro e se chamava Chaplin Club. Nos anos 40 surgiu o Clube de Cinema de São Paulo, que foi o embrião para a Cinemateca Brasileira. Já nos anos 50, surge um forte movimento católico, eu disse católico, que estimulava a cultura cinematográfica e a fundação de cineclubes.

A preocupação do Vaticano com o que representava o cinema em sua época de ouro, já havia sido causa até de duas Encíclicas: A Vigilanti Cura pelo Papa Pio XI em 1936 e a Miranda Prorsus, escrita pelo Papa Pio XII, publicada em 1957. Nestas, havia as diretrizes a serem tomadas pelos católicos acerca do cinema, bem como a instituição da classificação moral dos filmes.

Segundo a autora Paula Regina Puhl:

Essa repercussão chega ao Brasil em 1952 por intermédio de uma missão do OCIC (Office Catolique International du Cinéma), chamada no Brasil de Organização Católica Internacional do Cinema e do Audiovisual e que tinha como finalidade a promoção de cursos e seminários que estimulassem a formação de cineclubes ligados a Igreja. Para reforçar e sistematizar as orientações católicas, em 1953 a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) criou o Centro de Orientação Cinematográfica, destinado à formação de espectadores.
Através de cursos, seminários, palestras, jornais e muitos encontros, os cineclubes católicos ganharam muita notoriedade nacional. A estimativa é que se chegou a 100
o número de cineclubes pelo comando da Ação Católica no Brasil.

Por um lado, a iniciativa católica tinha como pretensão ser uma peneira cristã da sétima arte, o que me parece um ingênuo equívoco. Os filmes eram analisados e indicados não só por sua importância cinematográfica, mas por serem ou não compatíveis com “os bons costumes”. Por outro lado, tinha-se o objetivo de formar um público atento e conhecedor da linguagem cinematográfica, bem como da cinematografia de outros países com pouca circulação comercial. A igreja oferecia cursos onde as pessoas podiam aprender sobre montagem, fotografia, roteiro, e outras partes técnicas que constituem um filme. Se havia uma preocupação moral excessiva, havia também uma preocupação estética importante.

É impossível não pensar na relevância destes cineclubes, (a despeito da motivação cristã medieval) quando penso que eu, mesmo tendo nascido em uma época de maior acesso a informação e cultura por vários meios, não recebi incentivo ou educação cinematográfica alguma. Sendo cristão, nem em meus delírios mais surreais poderia imaginar a possibilidade de um cineclube preocupado com estética ser incentivado pela igreja.

Esta semana tive duas experiências bem ilustrativas. Primeiro, chegou às minhas mãos a última edição do jornal da igreja batista onde cresci e freqüentei até os 17 anos (onde nunca ouvi nada positivo sobre cinema ou qualquer outra arte).

Uma das matérias era: “O perigo da Pokemonmania, inofencivo ou diabólico? Rev. Regina Pinto Moura fala sobre mais esse assunto polêmico”.
Ao longo do texto muito informativo, vemos opiniões como: “Os pokémons, que são divididos em 15 espécies, simbolizam demônios territoriais e neste desenho ingênuo para crianças eles vêm disfarçados ”(...) “Satanás deseja treinar crianças para comandar demônios, treinadores para atividades malignas, isto é muito sério”.

A pastora, que também se diz psicóloga, finaliza dizendo: “Enquanto cristãos e raça eleita, nosso dever é nos afastar de toda a influência das modernas invenções babilônicas que viciam e corrompem os bons costumes”.

A outra experiência que tive oportunidade de vivenciar foi a preocupação do meu pai (Pastor batista) acerca da série de filmes vampirescos, Crepúsculo, Lua Nova, Eclipse. Segundo ele, (que não assistiu aos filmes) temos de estar muito bem informados, pois se trata de filmes satânicos.

Vindo deste contexto de completa ignorância e desprezo pelo cinema, que é a regra geral entre igrejas evangélicas, salvo raríssimas exceções, fica fácil entender minha grata surpresa com a história dos cineclubes católicos.
Em muitos momentos, já tive a vontade de ter nascido em épocas passadas.
Depois desse papo, por um instante desejei ter nascido católico também.



Referências:

PUHL, Paula Regina, Uma bênção apostólica? Cinema e religião na construção das identidades em Novo Hamburgo; in: Vol. 23, No 37 (2009): Estudos de Religião - dezembro 2009

Jornal Shalom News, Ano 3 – n°14 Edição Mar/Abr 2010. Pg.8

Um comentário:

Maíra disse...

bom, na condição de "nascida católica", digo que pelo menos no meu caso não houve muita diferença para o meu contato com o cinema, mas fui uma católica relapsa. (na verdade, se penso em minha criação católica + cinema só consigo lembrar de que sempre chegava o natal e apareciam aqueles filmes "de cristo", dos quais sempre tive horror!) mas pesquise a lista dos melhores filmes segundo o vaticano. vc vai se surpreender com o bom gosto do papa (e com a presença do - na falta de palavra melhor, rs - herege pier paolo pasolini!). abraço e parabéns pelo blog. bacana também o texto da Copa.