terça-feira, 29 de maio de 2012

Notas sobre Ciência e Arte Moderna



Tradução: Raquel.S. Vianna


Todas as descobertas científicas prévias tinham sido, de modo geral, apreendidas, apreciadas e aplaudidas pelo público sofisticado – até que a teoria de Einstein sobre a inter-relação entre espaço, tempo e luz desconcertou uma audiência educada. Por volta da mesma época, leitores inteligentes sentiram-se repelidos por outras teorias, igualmente obscuras no campo da mecânica quântica. As pessoas sabiam que alguma coisa significativa tinha acontecido em relação à natureza da realidade; mas pela primeira vez na história, ninguém, exceto o descobridor e um seleto número de conhecedores eram capazes de entender as novas teorias.

Nos primeiros anos do século XX, movimentos sucessivos na arte, como as descobertas correspondentes na física, também apresentaram ao público confuso arranjos de formas cada vez mais difíceis de reconhecer. Começando com o Fauvismo, Cubismo e Futurismo, e continuando com Expressionismo, Suprematismo, Dadaísmo e Surrealismo, novos estilos de arte assaltaram a sensibilidade estética coletiva ocidental até que o público em geral recuou em confusão e gradualmente se afastou do desafio de tentar entender algum significado que pudesse existir por trás dessas mostras tumultuadas de aparente caos gráfico. A arte tinha existido por pelo menos trinta e cinco mil anos. Durante esse longo período de tempo, nenhum dos vários estilos que se sucederam foi totalmente incompreensível para suas audiências. As pessoas se sentiram repelidas por alguns, indiferentes por outros e mesmo ultrajadas por alguns poucos; mas nunca antes o público em geral tinha visto a arte de sua própria civilização como incompreensível. (...) Nunca na história da arte que cobriu milhares de anos e várias culturas um grupo de artistas tinha deliberadamente e sistematicamente desenvolvido uma arte que não podia ser entendida. Em uma fantástica coincidência, o ramo da ciência primariamente responsável por explicar a natureza da realidade física tornou-se inimaginável no exato momento em que a arte tornou-se ininteligível.

A questão inescapável precisa ser perguntada: a aparição abrupta de uma arte impenetrável tem alguma conexão com o público em geral ter se afastado da ciência? No mesmo momento em que a arte se retirou atrás de uma máscara enigmática e inescrutável, repelindo os esforços daqueles que tentaram reconhecê-la, a ciência tornou-se não amigável e desconhecida. A resposta para esta questão precisa ser um sonoro sim!

De algum modo, os artistas, inspecionando os aposentos bolorentos da imaginação coletiva, tinham conseguido fazer surgir modos radicalmente novos de representar os igualmente radicalmente novos conceitos físicos que mal tinham sido anunciados. Sem estar verdadeiramente conscientes disso, eles desenvolveram uma linguagem totalmente nova para descrever as idéias impenetráveis e intraduzíveis concebidas pelos físicos. Os ícones silenciosos contidos na arte desse século são a resposta inconsciente dos artistas ao mutismo dos cientistas no exato momento em que eles se tornaram atrapalhados e gaguejantes nas suas tentativas de explicar os novos conceitos para o público.

Várias gerações tornaram-se adultas nesse século, imersas em uma cultura que testemunhou a difusão de conceitos por trás da relatividade e da mecânica quântica, idéias que originalmente não poderiam nem mesmo ser verbalizadas. Talvez agora, próximo ao final do século, nós podemos olhar para trás e reconhecer que esses artistas, considerados inacessíveis, estavam encontrando modos de expressar o incomunicável. Nós não podemos saber quão influentes foram as mensagem subliminares dessa arte nos nossos padrões de pensamento: a mudança de um sistema de ver e pensar para outro é inevitavelmente um evento complexo.

Na virada do século, outro conceito revolucionário borbulhou do caldeirão de idéias em ebulição no zeitgeist daquele tempo. Sigmund Freud propôs a existência de um monstro inapreensível que controlava subversivamente as ações por trás dos trabalhos civilizados da comunicação cotidiana, assim como o charlatão operava as alavancas atrás da fachada de o Mágico de Oz. Freud desmantelou a camuflagem cuidadosamente preparada e revelou a identidade do fantasma. Ele o chamou de inconsciente. (...) À primeira vista, o desmascaramento realizado por Freud não parecia relacionado com as revisões de Einstein de nossas noções de espaço e tempo. A teoria científica de Einstein sobre o mundo “real” e as conjecturas de Freud sobre o vórtice negro no centro da mente pareceram entidades desvinculadas. Entretanto, de acordo com Freud, os sonhos eram o caminho para o inconsciente. As mesmas pessoas que desistiram de entender a teoria da relatividade de Einstein por causa de sua complexidade, ou de decifrar as desconcertantes composições cubistas de Picasso reconheciam prontamente as aberrações de tempo e espaço que eles experimentavam nos seus sonhos. O tempo do sonho não obedece os comandos do tempo, nem o espaço do sonho se conforma aos axiomas de Euclides. Sonhos também destroçam as leis usuais de causa e efeito. Relatividade, Cubismo e Psicanálise compartilham esse aspecto: distorções profundas do tempo e espaço cotidiano ocorrem regularmente nas três teorias. Depois de poucos anos em que o físico Einstein e o artista Picasso começaram a explorar as possibilidades de um novo tipo de espaço e tempo, Freud, em seu livro notável A interpretação dos sonhos (1900) iluminou o espaço-tempo peculiar do inconsciente estabelecendo a validade dos sonhos.O sonho tornou-se rapidamente o meio para certos artistas sondar as profundezas do seu próprio inconsciente, buscando por símbolos e justaposições que violavam todo o senso racional. Em 1917, Apollinaire chamou esse novo movimento Surrealismo, o que significa sobre realidade. (...) Apesar de sua aparente ausência de conexão com o quadro negro nítido da ciência, as pinturas oníricas dos artistas surrealistas revelam imagens cruciais que podem ajudar as pessoas a entender a visão de realidade lavrada pela física moderna.

A investigação de Freud deu significado e valor para as perambulações noturnas de todas as pessoas e encorajou os surrealistas a transferir seus sonhos para a tela. Poetas, assim como os pintores, agarraram-se ao estado de sonho como uma alternativa viável ao clarão ofuscante da realidade objetiva. (...) Dois elementos principais dos sonhos são a justaposição improvável de pessoas e coisas no espaço e a anulação do tempo linear - elementos que suspendem as leis da causalidade – e esses elementos aparecem também no cerne do Surrealismo.

Por causa das incongruências dissonantes do Surrealismo e das justaposições impossíveis, a maioria da sua arte inevitavelmente desafia as crenças do observador sobre tempo e espaço. Um artista que parece ter entendido as falácias do absolutismo Newtoniano foi Giorgio de Chirico. De Chirico fundou, em 1917, o que iria se tornar um movimento artístico Surrealista na Itália conhecido como pittura metafísica. Ele distorcia o espaço, mas usava um método diferente dos artistas que o precederam. De Chirico violava a perspectiva exagerando a profundidade de suas telas, fazendo-as parecer ainda mais profundas do que elas eram. Muitas das suas pinturas têm a aparência de ver alguma coisa através do lado errado de um telescópio. Além de distorcer o espaço, de Chirico desnorteava as convenções usais de tempo inserindo em suas paisagens de sonho figuras enigmáticas que projetavam sombras de cumprimentos paradoxais sob céus de cores inquietantes.

Além do intervalo entre sons, a mudança das sombras devido à rotação da terra é o indicador mais importante de passagem do tempo. Consequentemente, notar mudanças na cor do dia e nas sombras projetadas é o modo mais tranqüilizador que conhecemos de marcar o movimento do tempo. Qualquer pessoa acordando de um sono profundo em um hotel estranho, depois de um vôo em que o fuso horário foi mudado, só precisa olhar para fora da janela para saber aproximadamente a hora do dia. Se o céu é de um azul cerúleo e os objetos no chão projetam sombras mínimas, é seguro dizer que é próximo do meio-dia. Se o céu é rosa, violeta, laranja, amarelo ou vermelho e as sombras são longas, pode-se deduzir que é perto do nascer ou morrer do sol. Se o céu é de um cinza consistente e não há sombras, não há modo de estimar o tempo sem ver um relógio. Nosso conhecimento intuitivo sobre o comprimento das sombras e a cor do céu sempre torna possível para qualquer pessoa estimar a hora com uma precisão razoável.Desde o tempo em que Piero della Francesca descobriu os detalhes de pintar sombras precisas no século XV, seu sistema permaneceu inalterado até a década de 1860. Assim como della Francesca, de Chirico entendeu que as sombras estavam inextricavelmente ligadas a nossa percepção do tempo, mas ele sentiu a necessidade de destruir a antiga convenção e embarcou em uma missão ostensiva de sabotagem.

Em A nostalgia do Infinito (1914) longas sombras sugerem a hora do nascer ou do pôr do sol mas a dura luz do sol banhando a torre Kafkaniana parece mais com a luz resplandecente do meio-dia.A luz mordaz é, de alguma forma, incompatível com as flâmulas oscilando vivamente no que parece ser um vácuo. O céu é de um tom perturbador de verde, como ocorre somente em condições atmosféricas extremamente raras. Através da fusão desse céu com sombras alongadas criadas por uma fonte que banha o resto da tela em uma luz brilhante, o artista leva o observador a questionar todo seu conhecimento intuitivo sobre tempo.De Chirico usou o mesmo conjunto de truques óticos em seu Mistério e melancolia de uma rua (1914), onde a cor do céu, a inclinação das sombras e a natureza da luz de novo confundem o observador com pistas conflitantes sobre o tempo. Em Enigma de uma hora (1912), uma pessoa solitária está de pé em uma praça com uma colunata em arcos no fundo. Nada parece impróprio. Na fachada do prédio existe um relógio que marca 2:55. Uma vez que obviamente é dia, o observador pode assumir que são 2:55 da tarde. Entretanto, a longa sombra projetada pela figura solitária na praça é, sem dúvida, de alguém em pé no nascer ou morrer do sol.

De Chirico não poderia saber naquele tempo que Gustav Kramer, um biólogo, iria demonstrar, em 1949 que pássaros são capazes de cobrir grandes distâncias nos vôos migratórios porque eles usam a cor do céu, a intensidade da luz e o ângulo do sol como instrumentos precisos de navegação para localizar sua posição no tempo e no espaço. Aqui está um artista que investe no coração do que se presumia era um conhecimento instintivo de humanos e pássaros. Nós podemos imputar a de Chirico um radar artístico para avisar o público que outro modo de conceituar o espaço e o tempo estava a caminho?
Embora de Chirico datou todas as suas pinturas, ele propositalmente as datou incorretamente. A data de A nostalgia para o infinito diz 1911, mas em verdade ele completou o trabalho em 1913 ou 1914. Para confundir historiadores da arte ainda mais, há boatos de que ele foi visto aproximando-se furtivamente de suas próprias obras em exibição em museus e, tirando pincéis e tinta do casaco, secretamente alterando a data de suas próprias telas! Críticos se disseram perplexos por esse comportamento estranho, mas esse grafitti temporal de de Chirico – um crime perpetrado em seu próprio trabalho – não pode ser uma declaração anarquista cuja causa é destruir a tirania da idéia ocidental de tempo absoluto? Esses ataques de guerrilha feitos por um artista solitário pode ser interpretado como assalto terrorista sobre a dominação e inflexibilidade desse conceito constante.Depois de 1920 de Chirico começou a reproduzir seu trabalho anterior. Essas cópias, feitas dez a quinze anos depois, carregam as datas dos originais. Seu comportamento foi considerado uma infração tão grande da integridade artística que André Breton, o Grande Inquisidor do Surrealismo, excomungou de Chirico do movimento publicando uma circular condenando o artista Greco-italiano por sua desonestidade em relação ao tempo. É irônico que essa objeção a adulterar o tempo devesse vir do próprio movimento Surrealista, uma vez que pode-se dizer que as tentativas de de Chirico de subverter o tempo linear eram consistentes com o programa geral do Surrealismo.

Embora não fosse cientificamente sofisticado, de Chirico foi o primeiro artista a combinar rotineiramente trens, relógios e réguas em muitos de seus trabalhos. O relógio e a régua são os instrumentos básicos de medição do tempo e do espaço. Einstein desafiou a veracidade desses dois instrumentos comuns na sua teoria da relatividade e demonstrou como não apenas seus valores de medida como também eles próprios mudavam em velocidades especialmente altas. Em todos os seus exemplos, ele usou o trem como o modo hipotético de transporte. Embora não haja nada nos escritos de de Chirico que indique que ele entendeu a revolução de Einstein, a confluência do relógio, regra e trem é muito rica para ser descartada como mera coincidência. Pelo menos, é outro exemplo do zeitgeist do início do século.

Extraido de: SHLAIN, Leonard. Art and Physics: Parallel visions in space, time & light. New York: Morrow, 1993, pp.221-228.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Derivas da não figuração

Alfredo Hlito, Estructura, 1945, óleo sobre tela.



por Leonardo D'Ávila


Notas sobre o livro "El arte abstracto:intercambios culturales entre Argentina y Brasil"

De: María Amalia García. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2011.





Ao invés de considerar alguns movimentos culturais como o concretismo brasileiro ou a grande produção de periódicos de viés abstracionista na Argentina da década de 40 como eventos isolados, María Amalia García, em seu livro El arte abstracto: intercambios culturales entre Argentina y Brasil, oferece a seu leitor um amplo e rico panorama de uma série de artistas, produções, obras, periódicos e instituições culturais que difundiram na América do Sul uma preponderância da arte não figurativa, o que, na falta de melhor rótulo, seria possível chamar de arte de perfil abstracionista. Correntes como o concretismo, o abstracionismo em sentido mais estrito, o construtivismo, entre outras possíveis, têm em comum uma abdicação do fornecimento de sentido à obra ou simplesmente a remissão a outros elementos que não fossem objetivos, o que resulta quase sempre na busca por elementos geométricos, matemáticos ou simplesmente formas puras com vistas a dar ao artista novas possibilidades plásticas, em um tipo de atitude que prefere a invenção intelectiva em detrimento da composição automática. María Amália analisa como a arte que se pensou desta maneira se disseminou entre o Brasil e a Argentina entre as décadas de 40 e 60, tornando-se inclusive concepções predominantes nesses países por certo período, através de uma leitura que privilegia as interconexões pessoais e institucionais havidas entre artistas, jornalistas, curadores e até mesmo políticos. Isto se demonstra logo no início do livro quando a autora ressalta a importância que a revista argentina Arturo, de 1944, cujo mote era justamente Invención contra Automatismo, em uma clara oposição ao surrealismo, teve para a introdução do debate da não figuração na Argentina, porém destacando a importância que teve a viagem de Arden Quine e Edgar Bayley, membros do grupo, ao Rio de Janeiro, especialmente pelos intercâmbios pessoais com Murilo Mendes e Maria Helena Vieira da Silva. Outro exemplo possível deste tipo de troca pode ser encontrado na revista Joaquim, de Curitiba, a qual, em 1947, reproduziu o manifesto da Asosiación Arte Concreto-Invención grupo que, de certo modo, sucedeu Arturo, contando com a presença de Tomás Maldonado.

Contudo, a autora não utiliza todos os detalhes que traz para dizer que esses intercâmbios pessoais e acadêmicos perfizeram uma consonância na redefinição da arte no final dos anos 40 nos dois países. Fica bem salientado em todo o livro como o espaço crítico argentino não teve paralelo no Brasil, país em que, à exceção de Mario Pedrosa, teve uma academia mais reativa ao abstracionismo e ao concretismo. Por outro lado, a autora relembra, em uma passagem rápida, que Flávio de Carvalho, já no final da década de 30, organizara a exposição Do Figurativismo ao Abstracionismo em São Paulo, o que antecede em uma década a fundação do Museu de Arte Moderna (MAM-SP) em 1948, com claro foco na produção artística recente à época, um ano após a criação do MASP. De fato, a atuação de figuras como Assis Chateaubriand, Pietro e Lina Bardi, assim como Ciccillo Matarazzo demonstram como, no Brasil, a ascensão da burguesia se refletiu na criação dos principais museus de arte moderna entre 1947 e 1949, o MASP com a inovação de ser, além de um museu, um centro cultural, e o MAM, pelo seu apego ao que havia de mais novo dentro das artes. Além desses órgãos, cumpre lembrar a abertura, em 1949, do Instituto de Arte Moderno, por Marcelo de Ridder em Buenos Aires, o qual teve uma vida bem mais efêmera que os seus congêneres brasileiros, tendo sido alvo de muita oposição por parte do peronismo. No entanto, isto demonstra a curiosa situação de que, à diferença da Argentina, a qual possuía um debate já consolidado sobre arte não figurativa, no Brasil as iniciativas neste sentido foram impulsionadas principalmente por setores da burguesia que montaram espaços de divulgação direta da arte abstrata internacional e da atividade de artistas novos, além, é claro, das primeiras edições da Bienal, o que deu uma maior institucionalização do espaço artístico, como também de uma futura adesão do próprio Estado neste propósito da arte moderna. Segundo a autora do livro, “o setor privado foi o principal impulsionador da instalação da abstração em ambos os países, desenvolvimento que o Estado brasileiro, à diferença do argentino, acompanhou. Por outro lado, o debate em torno à imagem abstrata presente no contexto cultural portenho contribuiu à afirmação desta tendência no paulista. Deste modo, a divergência nas inscrições da abstração foi uma instância de encontro, negociação e disputa entre ambos circuitos” (p. 88). Em linhas gerais, poder-se-ia dizer que houve no Brasil uma maior consolidação da arte abstracionista em sua vanguarda, mesmo que à revelia da academia, à diferença da Argentina, que no período pós-guerra se fechou institucionalmente, tanto que não participou da primeira Bienal enquanto Estado, mesmo tendo Maldonado como um dos jurados. Esta consolidação institucional teria sido um dos antecedentes que reposicionaram o mapa das artes na América do Sul, de modo a dar a São Paulo a importância internacional que Buenos Aires tivera uma década antes para os circuitos culturais.

O internacionalismo é certamente uma das características que se pode associar à arte não figurativa que se consolidou no Brasil e na Argentina a partir do final da década de 40. Neste sentido, os trabalhos de Alfredo Hlito ou Waldemar Cordeiro, artistas dessa geração, em muito se aproximavam, uma vez que compartilhavam dos mesmos pressupostos de artistas europeus de tendência semelhante, como George Vantongerloo, Wassily Kandinsky ou Max Bill, entre muitos outros. Essa filiação tanto não é descabida que é facilmente perceptível uma marca maior dessas vanguardas abstracionistas, construtivistas, concretas e dadaístas de artistas e intelectuais europeus, notavelmente a de movimentos como Cercle et Carré, De Stijl, Abstraction-Création ou a escola Bauhaus, muito maior do que o expressionismo abstrato de tendência norte-americana. No entanto, María Amalia García chama a atenção para como tal tendência foi recebida e redefinida ao sul do equador, de modo a salientar que, mesmo as obras que tinham uma pretensão de objetividade, não ficaram isentas de elementos regionais que lhes dessem características novas, as quais tampouco eram acidentais ou meros detalhes, mas elementos capazes de ir contra os pressupostos mais essenciais do que as vanguardas européias que se diziam abstracionistas ou concretistas fizeram já na década de 30. A autora explicita essa tese muito bem quando descreve a vinda de Max Bill ao Brasil, convidado pela divisão cultural do Ministério das Relações Exteriores em maio de 1953, ocasião na qual o artista suíço não se poupou de falar do desprezo que teve pela arquitetura brasileira quando conheceu obras como o prédio do Ministério da Educação (de um colégio de arquitetos) ou a Igreja da Pampulha, de Oscar Niemeyer. Para Bill, que foi um artista muito reverenciado pelos concretistas paulistas, a arquitetura brasileira estava muito impregnada de curvas, pilotis e elementos meramente plásticos, com excessiva referência a Le Corbusier e tornando-se, para ele, uma arte barroca que pouco tinha de racional ou de adaptação ao ambiente e à sociedade. Esta crítica severa foi fonte da anedota que Lucio Costa, em 1953, na revista Manchete, deu em resposta, ao dizer que é descendente de construtores de igrejas barrocas e não de relojoeiros. É curioso como María Amalia relembra este escândalo e essas pelejas justamente como uma forma de destacar que no Brasil e na Argentina a abstração e o concretismo tomaram rumos que inclusive eram capazes de irritar aqueles que se sentiam os
verdadeiros fundadores dessas correntes. Ainda assim, esse debate, longe de desestimular a produção de jovens artistas vanguardistas brasileiros e argentinos, impulsionou ainda mais a tendência na região, consolidando-a. No lado brasileiro, instituições como o MASP e a Bienal foram um primeiro impulso para que até mesmo o Estado brasileiro patrocinasse essa tendência concreta e construtivista, assim como foram de alguma forma um suporte para artistas estabelecidos no Rio de Janeiro com grande projeção internacional, como Lygia Clark ou Helio Oiticica. No lado argentino, por sua vez, nota-se a relevância da revista Nueva Visión, dirigida por Tomás Maldonado, artista que, aliás, teve uma boa relação com Max Bill. Nessa revista, em seu número 4, que por sinal contava com uma contribuição de Mario Pedrosa, destaca-se o artigo Arte Surrealista y arte Concreto, de Aldo Pellegrini, o qual reivindica o trabalho plástico e os escritos de Kandinsky para fazer a aproximação conceitual entre surrealismo e concretismo pela via da objetivação do espiritual, isto é, considerar a abstração não como falsidade, subjetivismo, mas, ao contrário, como a busca por elementos matemáticos, eternos e, por isso, objetivos. A aproximação entre Kandinsky e Breton, portanto, estabelece uma chave de leitura interessantíssima que a autora leva em consideração em seu livro, principalmente para afirmar que, “enquanto nos anos quarenta o marxismo era a estrutura científica que outorgava objetividade e predictibilidade dessas idéias, agora eram as ciências duras e as problemáticas epistemológicas das matemáticas que as davam coesão e sustentam a arte concreta” (p. 146). Essa busca de objetividade para além do marxismo, aliás, faz do livro de María Amalia uma interlocução lógica para o trabalho que Marcelo Ridenti vem desenvolvendo no Brasil acerca das relações entre arte e Estado, tomando como principal enfoque os artistas de esquerda. Além disso, essa temática da objetividade ainda poderia ter gerado muitas outras problemáticas que a autora do livro preferiu não desdobrar, como a do objeto inexistente a partir do debate entre Kojève e Kandinsky, no qual este se convence de que faz concretismo quando sua arte já não é figurativa, mas uma natureza própria. Ainda assim, é bastante curiosa a associação que María Amalia estabeleceu entre o surrealismo e concretismo para a caracterização da própria arte e crítica artística argentina, distinguindo-se, neste sentido, um pouco da brasileira, que primava principalmente pela inventividade, mesmo que essas conclusões também possam servir de chave de leitura para os acontecimentos em ambos os países.

Enfim, por mais que a autora não tenha tentado qualificar ou identificar exatamente a arte de cada uma das três maiores metrópoles da América do Sul, ela entende que este debate vai além das fronteiras nacionais e que ambos os países e círculos culturais participavam de uma mesma discussão, de forma que tanto o periodismo argentino quanto a gestão cultural brasileira tiveram impactos para ambos os países assim como também causaram disputas e distinções muito visíveis. Para exemplificar, tanto a Revista Nueva Visión como a segunda Bienal de São Paulo foram capazes de reunir artistas e críticos, mas ainda assim não seria exagero tentar distinguir entre a coerência plástico-verbal-sonora da parte dos concretistas de São Paulo, a inventividade do neoconcretismo carioca assim como o refinamento teórico dos artistas e críticos de Buenos Aires, de modo que essa tradição abstracionista não faz apenas resistência ou adaptação local, senão que suas escolhas e adaptações, às vezes pontuais, às vezes programáticas, são bem evidentes. Pelo gesto curioso de pensar a arte não autonomamente ou por critérios nacionalistas, mas sem se esquivar de assinalar os diferentes rumos tomados por grupos diversos, o que se justifica ainda mais em correntes que primavam pela objetividade, o estudo centrado nos circuitos regionais faz da pesquisa exaustiva que María Amalia García realizou em arquivos, livros e museus por todo o mundo uma referência chave para quem deseja repensar não apenas as criações dessas vanguardas, mas também novos conceitos a partir de seus exemplos.

Fonte: http://culturaebarbarie.org/sopro/n69.html

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Bas Jan Ader e a inevitabilidade da queda!




Bas Jan Ader (1942-1975) é um dos artistas holandeses que estarão na 30a Bienal de SP.

Através de performances, fotografia e video, Ader fez da queda (do seu próprio corpo e de objetos) uma pesquisa extensiva dos limites impostos ao corpo, como a gravidade, por exemplo. Filho de um ministro cristão, que foi morto pelos nazistas por esconder judeus, quando o artista tinha apenas dois anos, Ader viveu a arte até o fim. Em sua última performance, intitulada "Em Busca do Milagroso", tentou atravessar o atlântico sozinho num barco pequeno. Após dez meses sem contato, o barco foi encontrado parcialmente submerso , o corpo de Ader, porém, nunca foi encontrado.

Neste belo site é possível ver alguns videos de suas performances. Já na homepage vemos o mais conhecido: “I`m Too Sad to Tell You” onde o próprio artista chora diante da câmera, num ato tão simples, singelo e humano, como cair ou naufragar.

http://www.basjanader.com/