segunda-feira, 19 de julho de 2010

É preciso torna-se criança

Por Leandro Lança


Quando lidamos com crianças em situações que toda a energia e atividade delas podem gerar alguma ameaça, geralmente temos duas alternativas.
A primeira é vigiá-las o tempo todo, não desgrudar os olhos um segundo se quer de suas atividades perigosas ou não, pois, cientes de nossa vigilância constante e sob a suspeita de alguma punição, as crianças irão se “comportar”.

A segunda opção é colocá-las diante de alguma coisa que possa atrair e prender a atenção distraindo-os da realidade ao redor. Frente a TV, computadores, games e outros, a passividade tranqüilizadora aos pais é conseguida com mínimo esforço.
Em termos de sociedade, a alternativa número um foi sempre utilizada por regimes totalitários que usaram muito de sua força, recursos e criatividade para vigiar e punir. Por policiar as atividades publicas e privadas (perigosas ou não) este modelo esteve sempre associado à ausência de liberdade e em muitos momentos teve como conseqüência a revolta popular.

O capitalismo enquanto sistema assentado em pressupostos que valorizam a liberdade, optou pela segunda alternativa, mas com uma diferença boba e espetacular. Diferente dos pais, o capitalismo não dá aos seus a distração, ele a vende. Assim, além de conseguir a passividade necessária contra qualquer ameaça, o sistema lucra com isso e ainda gera a falsa sensação de liberdade que em regimes totalitários não existia e agora ele oferece. Em poucas palavras, é a esta realidade que o teórico Guy Debord (1931-1994) dá o nome de “sociedade do espetáculo”. Segundo o Filósofo Douglas Kellner:

Para Debord, o espetáculo é uma ferramenta de pacificação e despolitização, é uma “guerra do ópio permanente”, que estupidifica os agentes sociais e distrai-os da tarefa mais urgente da vida real. O conceito de Debord de espetáculo está intimamente relacionado aos conceitos de separação e passividade, pois em espetáculos consumidos passivamente o espectador é alienado de produzir ativamente a sua própria vida.


Se há características comuns no “ser criança”, sem dúvida, uma das mais perceptíveis e perturbadoras para os adultos é a extrema atividade manifestada pelos pequeninos; muitas vezes em oposição à ordem estabelecida pelos mais velhos. Por ser tão natural a extrema atividade, comportamento passivo e conformado fora das estratégias usadas com este fim, geralmente é sinal de algum problema com a saúde da criança.
Sendo assim, a conclusão óbvia e rasteira que consigo ter gira em torno de:

1 - A estratégia de distração usada pelo sistema vigente foi tão eficaz que hoje sustentamos nossa própria dominação.

2 – Estamos com alguma doença.

3 – Deixamos de ser criança.

Será que a exortação do Rabi de Nazaré quanto à necessidade de nos tornar como criança faz algum sentido aqui?

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