sábado, 3 de julho de 2010

Futebol, a guerra dos civilizados

Por Leandro Lança

De acordo com as ciências sociais, as competições esportivas na idade moderna têm como uma de suas funções, substituir as guerras e outras manifestações de violência naturais ao ser humano e que em outras épocas faziam parte do dia-a-dia das populações. Através de um longo processo civilizatório, muito bem descrito pelo sociólogo alemão Norbert Elias (1897-1990) em “O processo civilizador”, podemos observar como nossa sociedade conseguiu reprimir em alguns casos, instintos naturais do ser humano, e em outros apenas mudar o modo de dar vazão a estes instintos.

Para nós brasileiros e talvez para o resto do mundo, não é difícil pensar a Copa do Mundo de Futebol como uma guerra pré-estabelecida. Nesta edição particularmente, a publicidade tem enfocado bastante o caráter “bélico” da competição com diversas propagandas que enaltecem os jogadores como verdadeiros “guerreiros”.

Em se tratando de guerra, não posso deixar de pensar em outro sociólogo: Florestan Fernandes (1920-1995). Em sua tese de doutorado sobre a função social da guerra na sociedade Tupinambá, Florestan trouxe a luz questões interessantes. Os Tupinambás, como outras nações indígenas, viviam em guerras tribais ininterruptas, e que não possuíam o caráter comum aos europeus, de extermínio e apropriação territorial. Ao estudar a guerra entre os Tupinambás, Florestan chegou à conclusão de que a guerra entre estes povos possui características positivas que nós brancos não conseguimos conceber. A existência de um inimigo comum, por exemplo, é muito importante para a construção da identidade Tupinambá, além disso, as batalhas constantes exercem enorme coesão interna nessa sociedade. Diversos rituais estão envolvidos em um confronto que visa muitas vezes à morte de um indivíduo apenas do grupo inimigo. Neste contexto, o interesse nunca é a destruição em massa do inimigo, mas a luta constante que agrega e dá sentido.

Voltando ao futebol, creio que o sentimento comum de tristeza que assola os brasileiros em uma desclassificação no mundial, não se refere simplesmente a derrota para a Holanda. O que causa uma tristeza maior é o vazio causado pelo desmantelamento de uma coesão social da qual experimentamos apenas de quatro em quatro anos. Diferente dos nativos desta terra Brasil, somos “guerreiros” por ocasião de um evento que dura pouco e demora a ocorrer.

O triste não é o 2 X 1 de virada, mas saber que a partir de hoje já não somos “180 milhões em ação”. Triste é saber que nas ruas, nos bairros, nos clubes, nas cidades, no país, já não teremos o sentimento de comunidade, o sentimento de Um. Não nos reuniremos para comer e assistir aos jogos juntos, já não haverá um assunto comum capaz de unir ricos e pobres, crianças e adultos, homens e mulheres, em torno da mesma causa.

O desejo reprimido de todo brasileiro neste 2 de julho é que a guerra não terminasse hoje, que tivéssemos a oportunidade de vingança o quanto antes, e a coesão grupal voltasse a normalidade. Em tempos de globalização e crescente individualização parece difícil vivenciar vislumbres de socialização impunemente, sem aquela pontada de nostalgia. O problema é que não somos “selvagens”. Civilizamos nossas disputas, e como bons civilizados, só nos restam esperar longos quatro anos para mais alguns dias ou semanas em verde-amarelo.

2 comentários:

Unknown disse...

Perfeito irmão!
Não estava muito afim de editar algo sobre nossa derrota na copa até encontrar sua matéria aqui...
Tomei a iniciativa de reedita-la em meu blog, tem problema?
Pus a fonte lá, claro!
Abração.

Unknown disse...

OUtra, pôe aquela paradinha pra mim te seguir ae! rsrs
bjão.