terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Instituição e Reino, algumas considerações

O tema instituição tem se tornado recorrente em debates cristãos, seja em conferências, igrejas ou blogs. De um lado, há aqueles que critícam o cristianismo em sua configuração institucional histórica, defendendo até mesmo a aniquilação desta instiuição, do outro, aqueles que se dizem cansados deste discurso e o julgam como anarquista.
Longe de avaliar e analisar o porque das críticas à instituição, a reposta dos cansados está em afirmar que qualquer relação entre pessoas já é uma instituição, e que, portanto, fugir dela é um absurdo digno de rebeldes adolescentes pseudo-anárquicos. Afirmam estes que, se você coloca duas pessoas juntas, isto já configura uma instituição.

Tal forma de pensar, revela além de ignorância quanto ao que seja uma instiuição social (no caso a igreja), um simplismo que acaba por emcobrir questões relevantes e incômodas.
Quando falamos em instituição, estamos falando de uma forma de organização social complexa e com certas regularidades e caracterísiticas estruturais que podem ser observadas e estudadas. Para isso temos as chamadas ciêcias sociais, que têm na sociologia, por exemplo, um campo vastíssimo que se ocupa do estudo das instiuições sociais.


É baseado neste amplo e rico conjunto de conhecimentos acerca das instituições que gostaria de apontar algumas características básicas de toda instituição.

1- Toda instituição têm como alvo a sua própria permanência e desenvolvimento, seja númerico, econômico ou geográfico. A instituição precisa e quer ter poder na sociedade.

2- Toda instiuição possui força coercitiva, um código interno de punição e sanção aos membros desviantes,

3- Para que haja desenvolvimento, toda instituição se configura a partir de uma lógica funcionalista e consequentemente utilitarista. A instituição, assim como a sociedade, está acima do indivíduo e seus interesses. Se o indivíduo não é funcional e útil à instituição ele será punido de alguma forma, ou simplesmente ignorado.

4- Toda instituição obedece a uma ordem hierárquica, que por sua vez é fruto da lógica funcionalista. Baseado em medidas qualitativas e quantitativas que obedecem a uma ética própria, a instituição fará a disposição de seus membros de cima para baixo, com escalas de direitos e deveres coerentemente desiguais.

5- Em pról da funcionalidade, que se desenvolve geralmente de forma pragmática, a instituição terá local próprio, com horários e dias específicos de encontros, além de pautas e liturgias mais ou menos fixas. Boa parte dos esforços da instituição será em combater e evitar o acaso, o diferente, o descontrole, enfim, tudo aquilo que foge ao funcionamento habitual e que pode de alguma maneira representar ameaça a sua estrutura. O auge do funcionalismo racional, será muitas vezes a confecção de uma constituição, que nada mais é do que a representação abstrata da autonomia da instituição frente aos individuos que a compõem.

6- Toda instituição terá necessariamente que se relacionar com outras instiuições sociais. Esta relação se dará em forma de trocas, deveres, direitos, e não poucas vezes, uma instituição se verá refém de outras.


Com base nestas informações, gostaria de afirmar primeiramente que, nem toda relação entre pessoas configura uma instituição social, e por ultimo, e mais importante, as características do Reino divulgadas por Jesus, não possuem nenhuma relação com as características típicas de uma instituição social.

A lógica do Reino
se manifesta como uma anti-lógica. A estrutura do Reino é anti-funcionalismo, anti-utilitarismo e anti-pragmatismo.
Em primeiro lugar, o cidadão do Reino não quer e não busca poder social. O seu alvo não é o crescimento e a expanção a custo das singularidades. Só esta característica já seria o bastante para entendermos porque a igreja enquanto instituição social não revela a verdadeira imagem do noivo, mas tem mais. No Reino, o último é o primeiro, tanto o que trabalhou pouco, quanto o que trabalhou muito recebem o mesmo, aquele que quer ser o maior tem de adotar o comportamento do menor. Isto é mais do que virar o quadro hierárquico de cabeça pra baixo, é abolir toda pretenção hierárquica. Contra todo formalismo engessado, controle e racionalismo pragmático, Jesus impoem o 'ser como as crianças como uma credencial. Ser criança é celebrar o acaso que só a inocência de uma mente não contaminada, pode entender como graça ao invés de perigo. Contra toda punição ao desvio, jesus é o que diz aos adúlteros: "Não te condeno". A sanção do Reino é o perdão e a graça, ao contrário das instituições que se revelam no vigiar e punir. Avesso ao modelo de discipulado da igreja institucional, Jesus foi o cara que disse mais "vá para a sua casa" do que "venha me seguir". Coerente com suas propostas, Jesus aboliu tanto os lugares sagrados de encontro, como os dias e horários para isto ou para aquilo.

Ao propor esta anti-instituição
, nem é preciso dizer que o Reino assim estabelecido não barganha com as instituições sociais, antes, deflagra sua composição humana, animal e caída, servindo não como proposta de reforma, mas de alternativa outra, após o abandono e aniquilamento da posição anterior. "Porque entre vocês não é assim." O ensino de Jesus, se colocado em prática, desestrutura e desqualifica qualquer instituição que o homem foi capaz de articular. Não se pode viver o Reino e a instituição ao mesmo tempo, pelo mesmo motivo que não se pode servir a dois senhores.

A igreja cristã que nós cristãos conhecemos é uma instituição social estabelecida nos moldes sociológicos de qualquer outra instituição, flertando vez ou outra com ideais do Reino. A igreja cristã que os não cristãos conhecem, é da mesma forma, uma instituição como qualquer outra, sendo seus membros, vistos sequer como paqueradores do Reino, mas o extremo oposto do que aquele a quem chamam de mestre propôs.




Leandro Gonçalves Lança

4 comentários:

Sandro disse...

Leo,
Nas palavras de Rubens Muzio, a igreja é um "híbrido de organismo e organização" e "representa tanto a instituição humana quanto divina, tanto a organização terrena como o organismo celestial. A igreja pertence tanto à terra quanto ao céu. É um organismo em contato com a eternidade e uma organização concreta no tempo. Está constantemente submetida à tensão de viver a sua vida entre as questões do Reino, família, adoração, dissimulado, proclamação da Palavra, rituais e, por outro lado, as questões relacionadas à sua estrutura física, contabilidade, finanças, governo, organização, leis estaduais e federais, etc. A organização precisa servir e não determinar a natureza da igreja.
A tentativa de separar Reino de Deus da igreja-instituição é como querer separar o joio do trigo. Não cabe a nós. Como disse Leonardo Boff, a igreja local é a igreja universal concretizada; e sendo concretizada, faz-se carne; e fazendo-se carne, assume limites de local, tempo e cultura, e ainda de seres humanos.
Um abraço,
Sandro

Leo disse...

Olá Sandro,

Concordo com Rubens Muzio que a igreja é um "híbrido de organismo e organização", porém, somos chamados a ser o Corpo de Cristo, a Noiva do Cordeiro. Veja como estas metáforas usadas por Jesus, denotam organicidade, veja como o chamado é no sentido do organismo e não da organização (palavra utilizada como sinonimo de instituição em sua fala). Em meu texto dou características da organização, agora pensemos um pouco nas características do organismo. Observe e verá que não há sintonia entre estas esferas. Toda instituição está acima dos organismos que a compõem e não o contrário.

A organização, entra na história do Corpo no século III como você bem sabe. Como um vírus, a organização vêm matando o Corpo aos poucos, descacterizandoo de tal maneira, que a sociedade já não reconhece o Corpo como Corpo, mas como mera organização. Este corpo corrompido, cambaleante e desfigurado, precisa morrer, precisa nascer de novo. A reforma protestante não matou o vírus, simplismente aumentou nossa resistência imunológica quanto a algumas características da instituição, dando força e fazendo surgir ao mesmo tempo, outras características, tão nocivas quanto mundanas e capitalistas.

Separar o Reino da igreja-instituição, é tarefa nossa sim, Sandro, pois somos chamados a implantar o Reino desde já, se não é isso, o que estamos fazendo aqui?
Deus fez-se carne e somos chamados a segui-lo, mas após fazer-se carne ele propôs a morte como passo seguinte. A proposta não é ficar limitado eternamente a local, tempo, cultura, ser humano, instiuição, etc. A proposta é a liberdade que só o cidadão do Reino pode experimentar através da morte.

Não tenho dúvidas de que a morte da organização fará o organismo resplandecer. Temos ótimos exemplo disto.

Quando a organização cristã é perseguida e aniquilada pela organização Estado, o organismo Corpo de Cristo resplandece como nunca.

Temos acompanhado também, como o organismo internet, tem possibilitado como nunca o organismo sociedade civil resplandecer frente a truculência de nossas instituições. Só não vê isto quem não quer.

Um abraço.

Sandro disse...

Leo,

Como eu disse, estou preparando um texto mais extenso sobre este tema, mas devido a outros compromissos, o mesmo está demorando para sair.

Somente algumas observações:

Todo organismo precisa de estrutura. Organização/instituição é a estrutura. Como observou Neil Cole em Igreja Orgânica, você pode ter estruturas rígidas e fechadas como um exoesqueleto ou estruturas que crescem, se metabolizam, etc. como um endoesqueleto. De qualquer forma, organismo, Corpo tem estrutura.

Segundo, não somos, de maneira alguma, chamados para implantar o Reino. O Reino é de Deus e é dos Céus. Não se implanta o Reino de Deus. Coloca-se debaixo dele, submete-se a ele. Nosso chamado é unicamente viver como cidadãos do Reino e convidar outros para que se coloquem sob o Governo do Reino, submetendo suas vidas ao Rei.

Organização não precisa morrer. Não existe absolutamente nada nos ensinamentos de Jesus ou das escrituras que apontem para isto. O que precisa morrer é o ego, a carnalidade, o velho homem com sua natureza pecaminosa. E isto precisa acontecer todos os dias, uma experiência diária. Quando isto acontece na vida de uma comunidade de discípulos, nenhuma estrutura organizacional ou instituição consegue impedir a Glória de Deus de brilhar e resplandecer em Sua Igreja e por meio dela.

Um abraço,

Sandro

Leo disse...

Sandro,

Apesar da diferença de paradigmas entre nós, gostaria que os argumentos ficassem claros, e creio que para isto basta um pouco mais de atenção.

Seria completamente ilógico da minha parte, supor que não haja estrutura em um organismo. A obviedade disto me leva a crer que, sua resposta começa não considerando os pontos principais do meu texto e comentário, a saber que, a estrutura do organismo Reino é diferente da estrutura Organização ao ponto de serem contraditórias. Leia novamente as características comuns que aponto em uma instituição social e veja se ela pode ser a estrutura do Corpo enquanto manifestação do Reino de Deus na terra. As estruturas do Reino estão manifestas em Cristo, veja se há paralelo comum no proceder do Mestre e as características de uma instituição social. Dizer que o homem precisa morrer mas a forma de organizar suas instituições não, é uma incoerência sem limites.

Quando falo de implantar o Reino, falo o mesmo que você (ser cidadão do Reino aqui na terra, convidando a outros) e o mesmo que Jesus disse sobre buscá-lo. Assim como no seu primeiro parágrafo, a impressão que tenho é de subestimação da sua parte.

Por último, para que as coisas fiquem ainda mais claras, gostaria de lhe informar que prático a convivência em uma comunidade de cristãos há quase uma década e não tenho a intenção de deixá-la com vistas ao “isolamento”. Aqui não se trata de pseudo-anarquista ou adolescência amargurada.

A diferença que há em nós, talvez seja que, escolho tentar viver ao modo de Jesus, que frequentava a sinagoga já vislumbrando, decretando e viabilizando sua morte. Ao passo que você, de maneira elegante, bem intencionada e alternativa, crê na permanência do templo e sua respectiva estrutura minada.

Um abraço.