quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Alguma opinião sobre arte e fé


por Leandro Lança

Há poucos meses, fui questionado por algumas pessoas sobre o que eu pensava a respeito de arte e fé, mais especificamente acerca das Artes Plásticas. Por ser um sujeito de fé e que "mexe com" Arte, me atrevo neste texto a dar opiniões.

Temos consciência de quando precisamos fazer uma consulta com um médico, ter uma reunião com um advogado, ou até mesmo dar um pulo na padaria. Mas ninguém acorda com a necessidade consciente de ver uma obra de arte. De alguma maneira precisamos de arte, mesmo não sabendo exatamente o porquê. Parece-me que o poeta Fernando Pessoa estava certo quando disse: “ A arte é a prova de que a vida não basta”.

O início de minha reflexão sobre arte e fé se dá, então, a partir da hipótese de que se todo ser humano necessita de arte os cristãos não estão fora disso. Mas, antes de falar qualquer coisa sobre fé e cristianismo no contexto artístico, é necessário delinear, mesmo que de forma rasa, minha idéia de fé e, em seguida, de arte.

Arte, Crença e Fé

Ao falar sobre fé é preciso fazer a distinção pouco comum entre fé e crenças. O sociólogo Jacques Ellul nos mostra esta distinção de forma bem clara.

Para Ellul, crença é aquilo que professamos acreditar, é o contéudo doutrinário expresso com palavras muito bem escolhidas em nossas declarações de fé. Nossas crenças são passíveis de exposição, mas nossa fé é uma questão pessoal, que existe ou não, independente de crenças. A fé é o mistério entre eu e Deus. A crença é a tentativa humana sempre incompleta de dar conta do mistério.

“A fé pressupõe a dúvida, a crença exclui a dúvida. A fé não é o oposto da dúvida, a crença é. Os soldados da crença agem sem questionamento de acordo com a lei e os mandamentos. São inflexíveis nas suas convicções, não toleram qualquer desvio. Na articulação de sua crença eles imprimem rigor e absolutismo ao extremo. Refinam incessantemente a expressão da sua crença e buscam dar a ela uma formulação intelectual específica num sistema tão coerente e completo quanto possível. Insistem na completa ortodoxia. Codificam rigidamente modos de pensar e de agir.”

A partir deste entendimento, a relação entre arte e fé se torna uma experiência possível sempre e nunca, experiência não sistematizável, inclassificável. Posso ter uma relação com o sagrado mediante qualquer obra de arte, independente de seu conteudo ou forma. Porém, se entro no terreno das crenças, pensamentos sistematizados que nos conduzem a ortodoxias, a relação com a arte passa a ser determinada pela crença que legitima ou deslegitima as manifestações artísticas a partir de sua ética própria que avalia e filtra conteúdos e formas. Assim como a crença nunca apreenderá por completo o mistério da fé, crença alguma jamais será capaz de esgotar os mistérios de um conhecimento tão subjetivo e amplo como o artístico.

Trabalho com um campo teórico que aceita a hipótese de a arte ser um conhecimento específico, diferente do conhecimento científico. Tal conhecimento artístico opera com outras categorias de análise, outros paradigmas, mobilizando os sentidos em direções diversas daquelas operacionalizadas pelo método científico. A arte, neste sentido, não serve ao homem como apenas meio de reprodução de realidades, mas como meio de produção de realidades que não poucas vezes escapam à razão. Parafraseando Pascal, diria que: "A arte tem razões que a própria razão desconhece".

A fruição

Ao cristão, me parece que cabe em primeiro lugar a questão da fruição. É lícito ao cristão fruir qualquer obra de arte, ou, há obras, que, seja pelo conteúdo ou forma, não seriam permitidas ao cristão fruir?

Penso como Jesus, para quem o mal não está no que entra, mas no que sai de nós. Condenar uma manifestação artística como intrinsecamente maléfica é a mais baixa forma de transferência de responsabilidade. A grande questão está em que, para uns, carne vermelha causa mal, e, para outros não, para uns convém comer só vegetais, outros não suportariam isto, de modo que seria inviável criar categorias de consumo universais. Não acredito que o rock seja a melhor música para todos, mas também não posso concordar que ela seja ruim para todos porque sua forma e conteúdo são mais agressivos que outros estilos.

Uma situação trazida pela arte que geralmente é mal compreendida, e que não podemos descartar, é que, em muitas vezes, os artistas usam estratégias que geram propositalmente o mal-estar com o intuito artístico de nos retirar de zonas de conforto e nos fazer refletir em realidades que, apresentadas de outra forma, não teriam impacto algum. É preciso reconhecer que, até mesmo a representação do mal pode nos aproximar do bem.

O problema com a Arte Moderna

Recentemente, descobri que para alguns pensadores neocalvinistas, a arte moderna seria uma comprovação da degeneração de uma humanidade distante de Deus. Alertam incisivamente sobre a "horrorosa" arte abstrata, que seria uma expressão esteticamente desqualificada, destrutiva e empobrecedora da vida. Fugindo aos temas figurativos, este tipo de arte não representaria a criação, além disso, seria uma representação do absurdo típico de uma realidade fragmentada, niilista e distante de Deus. Este tipo de posicionamento me lembra uma realidade típica em certa ala da igreja, segundo a qual, o cristão pode e deve se assentar na “mesa secular”, mas só deve comer o que for legitimado por sua teologia. Muitas vezes, os impedimentos terão como fundamento somente determinada crença, que exclui todas as outras e inclusive a subjetividade do indivíduo. Em outras situações, como acredito ser o caso aqui, o caráter ilegítimo pode ter raízes no desconhecimento do objeto ou no gosto pessoal.

O abandono total da representação figurativa (temporariamente) que parcela da arte moderna ocidental começa a operar no início do século XX é o ponto mais alto de uma tendência que começava a se observar já no Renascimento, a saber, a busca de autonomia (ainda que relativa) da arte, comum a todo campo de conhecimento em vias de formação. Estamos falando de um momento onde o artista verdadeiramente toma posse dos seus próprios meios de produção e passa a refletir sobre eles. A arte finalmente está livre das imposições do clero e da nobreza. São as reflexões possibilitadas por este momento histórico que conduzirão às investigações abstratas. O abandono da representação e a busca do desenvolvimento formal não foi algo típico apenas das artes plásticas, mas um processo natural a outras manifestações artísticas, como nos lembra o historiador Paulo Sérgio Duarte:

“Não custa lembrar que o universo da música havia se libertado há muito tempo desse dilema: representar ou não representar. Se na ópera há sempre narrativa e representação, se nas canções existem histórias, se na música de programa encontramos sugestões de representação de cenas extramusicais, como buscar representação fora das relações formais da própria música numa fuga de Bach, num quarteto de Beethoven, num solo improvisado de Armstrong, Duke, Miles ou Coltrane? Esqueça a letra de carinhoso, de Pixinguinha, a música resiste a qualquer interpretação puramente instrumental, continua a produzir sentido mesmo sem as palavras, até para aquele que nunca ouviu a canção. (...) A arte moderna alcançou, em alguns de seus campos de investigação, a produção poética por meio de elementos puramente óticos: o olho conquistava uma experiência artística de valor equivalente ao que estava ao alcance do ouvido há alguns séculos no ocidente.”

O curioso é que os mesmos pensadores neocalvinistas que diminuem e deslegitimam a arte abstrata não se importam em cultivar e legitimar as fugas de Bach e a improvisação do Jazz como o melhor que há na música.

No clássico livro de John Dewey “Arte como experiência”, falando sobre arte abstrata e citando Albert Barnes, ele diz:

“A referência à vida real não desaparece da arte quando as formas deixam de ser as de coisas que realmente existem, do mesmo modo que a objetividade não desaparece da ciência quando ela deixa de falar em termos de terra, fogo, ar e água e substitui essas coisas por outras menos fáceis de reconhecer como hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e carbono”


A análise de todo objeto artístico é feita através de juízos estéticos, e juízo estético será sempre juízo de valor. O que alguns autores cristãos muitas vezes tentam fazer, infelizmente, é dar ao seu juízo estético um valor de verdade absoluta mediante sua teologia, que tenta ser a melhor e, muitas vezes, única leitura possível de Deus. Tal empreendimento se revela empobrecedor, principalmente porque não reconhece os métodos artísticos de análise. A mesma ignorância que, quando se tratando de ciência, tenta abolir o método científico, desqualificando e achatando suas contribuições. O conhecimento científico vem perdendo um pouco a imagem de vilão em muitas igrejas, sobretudo com a iniciativa de debates entre fé e ciência que reconhecem os limites e a relevância de cada área. Neste mesmo caminho, o conhecimento artístico precisa ser melhor conhecido e reconhecido. Dentro desta perspectiva, devemos reconhecer que é na modernidade que a arte ganha autonomia relativa para se desenvolver enquanto área de conhecimento específico. E, para a alegria de uns e assombro de outros, é ainda na arte moderna que iremos acompanhar a crítica destrutiva e elucidativa do conhecimento científico e da institucionalização da arte.

A partir deste panorama em transformação constante é que defendo Jesus, puro e simples como o óculos de leitura do cristão. O Jesus que nunca sistematizou teologias, muito menos TEOLOGIA. É a partir de Jesus que consigo ver Deus, além de outras coisas, nas composições de um Kandinsky, Mondrian ou Malevicth. Se alguns pensadores cristãos não conseguem é porque seus óculos talvez sejam teológicos demais, ou simplesmente porque a arte abstrata desagrada seus juízos estéticos. Se o problema é de gosto, não tenho nada a declarar, mas que não venha justificar seu gosto como se este fosse o gosto correto para todo filho de Deus.


Arte cristã

Após a questão da fruição, dentro deste tema é preciso discutir acerca da possibilidade de uma “arte cristã”.

Nenhum cristão menos bitolado no gueto evangélico saí por aí procurando engenheiro cristão, design cristão, dentista cristão, cozinheiro cristão,etc, como se isso fosse uma credencial necessária ou fundamental. Por que, então, tanta ânsia com a busca de arte cristã? A única resposta plausível que vejo para isto é o fato de todas as artes estarem associadas por séculos à produção mais profana que o homem pôde produzir. Por ser “naturalmente profana", a arte precisa ser redimida, de tal forma que se torne desejavelmente cristã (sagrada). O grande engodo é que ao tentar cristianizar suas produções, geralmente o chamado artista cristão entra no domínio do utilitário (proselitismo e afins) e, consequentemente, sem perceber, banaliza o sagrado inviabilizando sua manifestação. Sagrado que, é bom que se frize, não necessita e nunca necessitará do suporte religioso para se manifestar.

O que muitos cristãos parecem ainda não entender é que, quando levantamos uma bandeira e um slogan, no campo das produções artísticas principalmente, a mensagem que queremos passar perde sua força. O artista cubano Félix Gonzales-Torres, dizia que: “A boa obra de arte política é aquela que não aparenta ser política”. Os cristãos precisam aprender isto, aprender com os tropicalistas baianos, por exemplo, que nunca se intitularam “artistas do candomblé” e sempre difundiram suas crenças contribuindo igualmente para o melhor da música popular brasileira. Creio que o mundo carece de uma arte que fale do verdadeiro Cristo, mas definitivamente não precisamos de militantes cristãos e de sua ortodoxia em relação à forma e conteúdo.

Além de não trazer nenhum benefício ao mundo, os termos arte cristã ou artista cristão são muito recentes. Os grandes mestres do passado que confessavam a fé cristã de maneira nenhuma se apresentavam como artistas cristãos ou se dedicavam exclusivamente a temas cristãos. O problema é que temos hoje um segmento do mercado que consome qualquer bem cultural que se intitule cristão, contribuindo para a pobreza cultural velada pelo movimento evangélico.

Possibilidades


Finalmente, como alguém que acredita na potência da arte enquanto meio de conhecimento acerca de Deus e de toda criação, bem como um meio de transformação do mundo, penso que, em primeiro lugar, enquanto nação, precisamos de um público fruidor, pensador e criador de arte. Depois do público motivado, precisamos do acesso e da educação em arte. Se esta primeira etapa se concretizar, será natural e construtiva a elaboração de teorias que abordem a relação (votada a abertura pluriparadigmática) entre arte e fé.

O que tenho acompanhado no meio cristão é a inversão destas etapas. As consequências disto são variadas. A mais visível, é a proliferação, iniciada há decadas, de grupos de teatro, dança e música cristãos. Tomando o teatro, por exemplo, na falta de um público conhecedor de teatro, não há desenvolvimento, pesquisa, sequer alguma motivação na busca do conhecimento dramatúrgico. Neste sistema movido pela empolgação e muitas vezes pelo proselitismo, atores e espectadores vivem uma relação parasitária, onde ambos se beneficiam da ignorância alheia, e, no fim, todos vão embora satisfeitos com a sensação de dever cumprido. Livros são lançados, congressos realizados e um sem-número de atividades são realizadas sem nunca chegarem a ter ressonância além dos muros, onde a coisa é levada a sério. Sei que deve haver raríssimas exceções aqui, mas a regra geral é esta, e, as exceções, sabemos, confirmam as regras.

Mais recente são as tentativas de introduzir artes visuais no cenário cristão brasileiro (leia-se igrejas evangélicas). Acho pouco e acho bom, como bem disse Guimarães Rosa: "Dar beleza a quem tem fome de beleza é também um dever cristão". Mas as metodologias precisam ser repensadas. Três coisas me parecem básicas:

1- Arte não cabe em caixa teológica.

2- Se dispor a fruir ou fazer arte necessita abertura à subjetividade, algo que na maioria das vezes não casa muito bem com as estruturas eclesiásticas.

3- Estamos falando de um contexto nacional de analfabetismo artístico em massa. O mais urgente neste contexto é formação e informação para que as pessoas tenham acesso,pelo menos, aos códigos básicos de leitura de uma obra de arte visual. Aqui deveríamos tomar como exemplo bem sucedido os cineclubes católicos que foram fomentados pela igreja entre as décadas de 60 e 80, principalmente, e tiveram grande relevância na história do cinema nacional.


Que Deus nos ajude!




Referências citadas:

ELLUL, Jacques. Fé Viva: Crença e Dúvida num Mundo Perigoso. San Francisco: Harper and Row, Publishers, 1983. (Texto traduzido em www.baciadasalmas.com)

DEWEY, John. Arte como Experiência. Ed, Martins Fontes. São Paulo. 2010.

DUARTE, Paulo Sérgio. Arte Brasileira Contemporanea. Ed. Opus-Plajap, 2008.


5 comentários:

Franz Glauber Vanderlinde disse...

tá escrito "exceSSões"

lucas rolim disse...

Li e gostei do seu texto (que foi indicado por um amigo). Algumas partes eu questiono, mas não sei se me atreveria escrever algo. Em todo caso, deixo duas sugestões de leitura (A Arte e a Bíblia - Francis Schaeffer, e A Arte Não Precisa de Justificativa - Rookmaaker) e uma reflexão pessoal a seguir. Um abraço.
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Quando eu penso em arte sinto uma gota de canção pintando realidades, transformando sentimentos, interpretando sonhos, profetizando verdades. Abraço a esperança, mesmo se as cores, usadas sem sentido numa dança ou numa película moderna, são escuras ou coloridas demais. Afinal, a arte possui seu sentido próprio: cantar as melodias dramáticas do coração do homem. E se há sentido ou não no compasso desta canção, o fato é que a arte grita por um norte: "Deus, onde está a eternidade?". E não estou falando de religião aqui, por favor. Estou falando de essência, pura essência. Estou falando de um mistério profundo que permeia os caminhos da arte e revela a sina do ser humano de descobrir a si mesmo.

Quando penso em arte penso em identidade, pintada por mãos talentosas; penso na mais bela poesia, declamada por uma voz profunda e doce; penso no amor escondido num recipiente, que, como recipiente, não sabe o que guarde em si. Penso em sentidos ansiosos por fruir toda essa beleza, mas são limitados, muito jovens para queixarem por eles mesmos. Penso em num incomodo contínuo, nunca decifrável, apesar de visível: um perto tão distante. "Pensando bem", penso sim em religião. Não no sentido deturpado, quero dizer. Mas no seu sentido original: religare. Arte como reflexo embaçado da imagem perfeita da verdade, da ligação com o eterno, expresso em acordes, no tom, num beijo.

Nesse combo de pensamentos, sinto-me convidado a dançar. Por que? Nenhuma justificativa específica. Digo apenas que a arte inspira isso nos que se dispõem a pensar sobre ela: dance a vida no seu sentido mais belo e verdadeiro. Se tiver mesmo a beleza e a verdade como instrutores, a arte deixará de ser um pensamento. Será seu fôlego. E a vida, assim, será real.

Ana disse...

Olá Léo!:)

foi com grata surpresa que encontrei seu blog ao pesquisar sobre o livro de Rookmaaker sobre o qual vc tece um texto crítico.
Sou cristã, estudante de Artes Plásticas e fui encarregada da tarefa de dar uma oficina sobre Arte, cultura e Fé num evento de capacitação da ABU (Aliança Bíblica Universitária) que ainda vai se realizar. Ao me deparar com o material escrito sobre isso como o livro do Francis Schaeffer e do Rookmaaker fiquei um pouco frustrada, porque apesar de experimentar de alguns conflitos na universidade, devo a esse tempo uma "abertura da mente" e tb a surpresa da Arte Contemporânea, seus estranhamentos e inventibilidade.
estou feliz por encontrar um interlocutor! :)

Continue com esse blog, Léo! No campo das Arte e da Fé no Brasil há muito o que se construir, discutir e partilhar!

Abraço!

Marcus Vinícius disse...

Leo,
Primeiramente gostaria de me apresentar como um Cristão. Que vê a Bíblia como única regra de fé e prática, que acredita que o pensamento teológico mais condizente com a Bíblia é o reformado/calvinista e que vê a total necessidade da incersão dos Cristãos na Arte.
Acredito em uma Verdade absoluta, ou melhor, Na Verdade absoluta. Pode parecer soberbo e arrogante tal colocação, mas sendo cristão e estudante da Bíblia não vejo outra forma de descrever.
Acredito que o ser humano produz aquilo que o seu espaço de tempo lhe permite produzir. Certas afirmações acerca do cristianismo não eram nem previstas nas épocas de Calvino. Porém quando se tem claro a nossa submissão a Palavra de Deus, não importa quão limitados estamos ao nosso período histórico, estaremos sempre de acordo com a verdade.
Acho que você poderia ler algumas literaturas teológicas pra entender melhor a questão da arte no meio calvinista (que não é homogênea). Sugiro Schaeffer. Mas tenha em vista que o que eles(os calvinistas) propõe é uma visão bíblica da realidade e portanto da arte/política/cultura. Então quando parece que estão querendo limitar a arte a religiosidade ou a qualquer outra coisa que você possa colocar, eles estão abrangendo a nossa realidade ao que é realmente verdade. Portanto se você não acredita na inerrância das escrituras e nela como sendo única verdade, nunca conseguirá entender a complexidade dos argumentos calvinistas.
Concordo quando você diz que quando os cristãos/religião tentam limitar a produção de arte não estão agindo de acordo com o que nos é ensinado pela Bíblia. Se Paulo diz em sua carta aos romanos que os céus proclamam a glória de Deus e que só de ver a criação de Deus as pessoas podem reconhecer sua existência, não posso descartar então qualquer forma de arte.
Acredito que toda arte pode ser tida como reflexão da criação de Deus, então, até certo ponto, glorifica a Deus. Não creio que seja saudável propor que façamos, nós os cristãos, só artes sacras, mas que através de qualquer tipo de arte mostremos a totalidade da realidade e a verdade.
Entendo que quando autores propõe que os cristãos entrem no meio da arte e produzam arte, não querem desqualificar artistas não-cristãos, mas apenas tentar mostrar ao mundo a realidade, a verdade, a ótica cristã bíblica da realidade. O que não se limita a arte sacra, já que não vivemos 24/7 na igreja.
Creio sim que os cristãos só podem produzir coisas boas se estudarem a arte e sua história, e só estarão realmente glorificando a Deus se, ao invés de produzir coisas descartáveis se preocupassem em estudar a história da arte e produzissem coisas que perdurassem.
Por isso admiro sua iniciativa em estudar a arte e seus desdobramentos na história e na cultura, não limitando o seu conhecimento a qualquer coisa vã. Mas também peço que procure saber um pouco mais sobre a perspectiva calvinista, para que ao invés de ver sua limitação entenda o quão abrangente ela é e o que ela possibilita.
Gostaria de saber o que você considera arte e o que ela representa. Por exemplo, seu conceito de arte é abrangente ou específico à um tipo? E o que você acha do cenário musical atual? Não tenho intenção de discutir essas perguntas, mas como você parece ler sobre arte gostaria de saber sua opinião sobre.
No mais, não sou entendedor de arte, nem de teologia, mas sou admirador de ambas.
Grande abraço,
Marcus Vinícius

Leo disse...

Caros, desculpe a demora em publicar seus comentários e na resposta, estive longe daqui um tempo.

Franz, grato pela correção.


Lucas, já li “A Arte e a Bíblia” e “A Arte Não Precisa de Justificativa”, sobre o último cheguei até a fazer uma crítica que você pode achar aqui mesmo neste blog, bem como os vários comentários que seguiram depois. Obrigado por compartilhar seus sentimentos sobre a arte.


Ana, obrigado pelos comentários, estarei aqui como interlocutor sempre que precisar. Frustração é uma boa palavra para descrever o sentimento que tive ao ler o que Schaeffer e seu mestre nesta área, Rookmaaker, tinham a dizer sobre arte nestes livros publicados no Brasil. Para quem se interessa por arte contemporânea, o que dois senhores que julgaram mal até mesmo a arte moderna podem acrescentar além de suas teorias calvinistas?


Marcus, obrigado pelo comentário. Sobre a questão da “arte no meio calvinista”, creio que já li o suficiente para não gostar e discordar de quase tudo, ler mais seria insuportável. Se você se interessa por “arte no meio da vida”, lhe aconselho ler bons livros de história, crítica, livro de artistas, visitar exposições regularmente, etc. Não sei se este é o seu caso, mas muita gente lê o comentário calvinista sobre a padaria antes de ter comido o pão.

A respeito das tuas perguntas, sugiro a leitura rápida de alguns outros textos aqui do blog que o farão entender o que penso sobre a arte e porque discordo de muitos calvinistas. Por exemplo, para Rookmaaker a arte moderna é um efeito da degeneração do homem sem Deus e o abstracionismo não revela a realidade criada.

Para mudar um pouco este olhar há estes textos aqui:

http://leandrolanca.blogspot.com.br/2012/05/notas-sobre-ciencia-e-arte-moderna.html

http://leandrolanca.blogspot.com.br/2012/05/derivas-da-nao-figuracao.html

Outro exemplo, na música de inspiração neocalvinista do Palavra Antiga, intitulada Rookmaaker, o “Dadaísmo de Berlim” aparece como algo típico de cegos, néscios, coisa de quem zomba da cruz, sim, esta é a relação que a música cria. Para uma introdução a este importante movimento, sugiro esta leitura rápida. É bom lembrar que o Dada, este “movimento anti-movimento”, é a vanguarda modernista que mais influenciou a arte contemporânea:
http://leandrolanca.blogspot.com.br/2012/01/dadaismo-de-berlim-uma-breve-introducao.html

Você me pergunta o que considero arte, o que ela representa, e se este conceito é abrangente. Bom , se é que posso responder tudo ao mesmo tempo, digo que,quando a palavra arte aparece nestes textos, refere-se principalmente às artes visuais ou plásticas. Arte neste sentido, pertence a um campo definido com regras próprias, autonomia relativa, instituições que legitimam o que é produzido (como museus, escolas, galerias, exposições, a história da arte, etc), onde atores com maior ou menor poder de agência (artistas, pesquisadores, curadores, críticos, marchands, etc.) transitam, criam, dialogam e disputam. Esta arte representa no meu entendimento um ramo específico do conhecimento humano, como cheguei a expor neste mesmo texto.

Quanto ao cenário musical atual não posso lhe dizer nada de útil, não acompanho.

Por último, não sei se ficou claro isto, no meu precário entendimento sobre estas coisas, a categoria “artista cristão” não existe e nem tem razão de ser. Abraços.