sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Pelo acesso aos de casa


por Leandro Lança

É possível trabalhar durante anos em uma instituição cultural sem jamais fruí-la?
A resposta infelizmente é sim, e não é raro que isto aconteça.

Bilheteiras que nunca assistiram uma sessão, porteiros de teatro que nunca viram um espetáculo, faxineiras de museu que não sabem se quer o que venha a ser um museu, é uma realidade pouco notada, mas como diz a música de Chico* :

Há milhões desses seres
Que se disfarçam tão bem
Que ninguém pergunta
De onde essa gente vem

São como diaristas em casarões que ao limpar e guardar o patrimônio tem acesso físico aos cômodos da casa, mas nunca ao que acontece de fato ali.

Sobretudo em um país com exacerbada desigualdade social isto acaba se tornando comum e confirmando a teoria de Pierre Bourdieu, segundo a qual, não basta ter acesso a espaços culturais, é necessário dar acesso ao capital simbólico que permite ao indivíduo interagir com estes espaços e com o discurso que se constrói ali.

As instituições culturais que possuem setores educativos (como os museus) têm como uma de suas funções principais darem acesso, no sentido amplo é claro, a população em geral. Diante disso, proponho o óbvio. Que os “de casa”, “os invisíveis que assumem formas mil”, tenham prioridade a receber no mínimo visitas orientadas no museu onde trabalham, bem como incentivo a freqüentar este patrimônio cultural público com seus parentes.

Certa vez uma senhora que trabalha como faxineira em um museu me contou sobre sua relação com este “ente estranho” no qual ela trabalhava, mas pouco conhecia.
Disse-me, por exemplo, que, ao ser designada pela empresa terceirizada de serviços gerais para o museu, demorou um bom tempo até achar alguém que pudesse lhe explicar o que viria a ser um museu. Com mais de cinqüenta anos provavelmente, esta senhora nunca havia entrado em um museu antes, e, mesmo depois de ter entrado nunca havia realizado uma visita.

Penso que para além de conhecer seu local de trabalho e a cultura por ele difundida, seria interessante um projeto de intercâmbio entre museus que possibilitasse a estes funcionários com menos acesso conhecer outras instituições culturais.

Este é um exercício mais do que de cidadania, um exercício de sensibilidade, por que não, de amor ao próximo, aquele próximo, que, assim preferia crer, pela extrema proximidade acaba se ofuscando.


* Brejo da Cruz – Letra de Chico Buarque de Holanda

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