segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Missão Portas Abertas e a redução dos processos

por Leandro Lança


A ”Missão Portas Abertas” é uma instituição evangélica que tem por objetivo ajudar igrejas e cristãos evangélicos que sofrem perseguição religiosa em vários países, principalmente aqueles de maioria muçulmana. A instituição atua através de arrecadações provenientes de igrejas e evangélicos em todo o mundo. Segundo informações no site de Portas Abertas, este dinheiro é revestido de acordo com a situação de cada grupo perseguido:

“Se eles estão precisando de Bíblias, Portas Abertas irá encontrar um jeito de mandar-lhes. Se eles precisam de treinamento para seus líderes, Portas Abertas irá encontrar uma forma de fazer esse trabalho. Se eles precisam de oração pelos cristãos que estejam eventualmente na prisão, Portas Abertas irá mobilizar um exército internacional de oração para interceder pela sua libertação. E, com freqüência arrumamos um meio para conseguir alimento, roupas e remédios para os cristãos que estejam vivendo em dificuldades”.


A organização teve seu inicio com a atuação de um jovem missionário holandês conhecido como Irmão André. Em 1955 André fez uma viagem à Polônia, onde ficou impactado com a situação de cristãos vivendo sob a “Cortina de ferro” sem acesso a Bíblia. Dali em diante ele passaria a contrabandear Bíblias e suas aventuras encontram-se no livro: “Contrabandista de Deus-(1967)”.

Em praticamente 50 anos de atuação, a Missão Portas Abertas é reconhecida em vários países, principalmente por sua atuação em igrejas através de congressos, palestras, cursos, revistas e manuais. Os conteúdos destes meios têm em suma, a finalidade de conscientizar os evangélicos acerca da perseguição religiosa sofrida por seus irmãos de fé em países diversos, através de: dados básicos de demografia e geopolítica, além de histórias pessoais de crentes que sofrem perseguição.

Sem desmerecer a atuação desta instituição, que possui sua importância, gostaria de por em debate dois pontos preocupantes e discutíveis.
O primeiro ponto refere-se ao extremo reducionismo com que a Missão Portas Abertas divulga e “explica”, ou não explica, o fenômeno amplo e complexo da perseguição religiosa.

Quando o assunto é intolerância religiosa, sabemos que, em primeiro lugar há um longo processo histórico por trás de qualquer perseguição. Tratando-se de Cristianismo, sabe-se que após ter se tornado religião oficial do império Romano no século III, os cristãos anteriormente perseguidos, passaram a perseguir, e de lá pra cá, não deixaram de ter o gosto pelas “guerras santas”. Além do processo histórico há o político, e sabe-se também que, política e religião são esferas indissociáveis culturalmente dentro da tradição monoteísta. Sendo assim, não se explica a perseguição religiosa por parte dos muçulmanos, por exemplo, excluindo do debate as questões políticas que envolvem estes povos. Ainda além da política (sem sair dela), há a questão econômica. O conflito entre cristãos e muçulmanos na Nigéria, por exemplo, que recentemente teve repercussão internacional, sobretudo pelo número espantoso de mortos, envolve sérias questões puramente econômicas como, o desemprego e o acesso a áreas de cultivo. Além destas, por motivos pessoais deixo ainda de fora as questões culturais (por ser estudante de antropologia não quero ser acusado de proselitismo).

Alheia aos processos, ou no mínimo alienando seus interlocutores, a Missão não aborda causas fundamentais que poderiam explicar os conflitos e conseqüentemente melhorar a atuação. Tudo o que se lê, seja no site da instituição, blog, revistas, ou se ouve nas palestras oferecidas, são dados demográficos e casos pessoais do tipo: “Em tal país há 0,3 % de cristãos, lá uma família X que se converteu ao cristianismo está sendo perseguida”. Uma conseqüência direta deste tipo de abordagem rasa e unilateral, é a construção de um outro: terrorista, desumano e diabólico, no imaginário de uma população evangélica média formada pelo púlpito e pela TV. Há alguns anos, segundo informação veiculada na revista da instituição, Irmão André afirmou que o islamismo seria uma ameaça muito maior ao cristianismo do que foi o comunismo. Na matéria o articulista reconhece e enaltece a visão profética do fundador. Fato é que, a demonização do Islã e a preocupação com uma possível invasão muçulmana no ocidente se tornaram comuns entre instituições e igrejas evangélicas.

Diante do acúmulo de “desinformação” que ao longo da História levou o Ocidente a cometer etnocídios, e que levou “ontem mesmo”, boa parte dos evangélicos norte-americanos a apoiarem as guerras do Iraque e Afeganistão como justiça Divina, penso que a Missão Portas Abertas deveria mudar sua abordagem.
O segundo ponto discutível me parece óbvio como admirador dos ensinos e mandamentos de Cristo. Em uma de suas falas mais reveladoras ele diz:

Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos. Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo? Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste.
Mateus 5.43-48


A partir dessas palavras, só posso entender que, Cristo olha do mesmo jeito para a igreja perseguida e para a mesquita perseguida. Entendo que o cristão que ora ou faz apenas pelo cristão não tem recompensa alguma. Percebo que a missão do seguidor de Cristo é lutar contra a intolerância, perseguição, morte, num todo, e não aquela exclusiva ao seu gueto.
Sei que a Missão Portas Abertas é limitada, e talvez ajudar financeiramente hindus e muçulmanos ainda esteja distante de sua realidade. Mas, na expectativa de que a instituição tenha algum mérito, alguma recompensa, peço que incluam em suas listas de oração aqueles que vos perseguem.

Deixo algumas dicas:

Peço que orem por muçulmanos que são perseguidos, inclusive por cristãos. Que incluam pedidos para que Deus intervenha no imperialismo, que os territórios ocupados por EUA e Israel sejam devidamente devolvidos. Que sejamos solidários, cristãos, humanos, que nos lembremos das torturas nas prisões de Abu Ghraib e Guantánamo (perpetuadas pela "América cristã).
Peço que divulguem nas igrejas, não somente as conseqüências trágicas que atingem cristãos, mas as causas dos processos históricos, políticos e sociais da perseguição, onde cristão algum fica isento de culpa.
Que seja divulgada a verdade complexa: Que toda perseguição religiosa é também política, e as vítimas destas duas potestades são no fim, filhos do mesmo Deus.


PS: Recentemente li no blog
da missão que o Irmão André tem salientando em diversas ocasiões que, os cristãos devem orar por líderes e extremistas islâmicos, de acordo com as palavras de Jesus sobre orar pelos que te perseguem. Mas a idéia é que as pessoas orem para que as lideranças perseguidoras se convertam ao cristianismo, e não simplesmente ore como ensinou Jesus. A segunda parte do versículo diz que o sol nasce sobre bons e maus, justos e injustos, por tanto, Deus não faz acepção de pessoas. A perfeição pretendida por Cristo está em amar o inimigo, o diferente, o perseguidor, independente de qualquer mudança. Colocar em aplicação apenas uma parte distorcida do ensino de Jesus, acaba por ser tão perigoso quanto não por em prática parte nenhuma. Esta oração com motivação sectária parece dizer duas coisas:

1- Os muçulmanos são intolerantes e belicosos, a conversão ao cristianismo os pacificará (mesmo a história do passado e presente desmentirem isto).

2- Não é necessário orar, muito menos pensar, nas demandas sociais, econômicas e políticas destas pessoas, só a conversão basta.

Um comentário:

glebson liMa disse...

Amém vai nessa tua força.