terça-feira, 3 de agosto de 2010

Algumas conclusões e reflexões


Comissão Justiça e Paz
CNIR/FNIRF Portugal,2002



Para terminar, algumas conclusões e reflexões. Começaremos por um apanhado dos pontos de divergência fundamentais que existem atualmente entre a Autoridade Palestina e Israel.

1 – A questão dos refugiados. Israel recusa-se a aplicar a Resolução 194. Aprovada pela assembléia Geral da ONU a 11 de Dezembro de 1948 e reafirmada todos os anos, essa resolução reconhece aos refugiados o direito de regressarem aos seus lares ou de serem indenizados, se assim o preferirem. Israel nega-se até a reconhecer a sua responsabilidade moral e legal pela existência dos refugiados. Durante décadas "legitimou" essa recusa dizendo que os palestinos abandonaram as suas casas por ordem dos países/exércitos árabes, que lhes teriam prometido o regresso dentro de pouco tempo. Ora, os estudos dos chamados "novos historiadores" israelitas da última década confirmaram o que os historiadores palestinos sempre disseram e os bons conhecedores da questão sabiam há muito, para não falar das vítimas: Essa versão da origem do problema dos refugiados palestinos é uma invenção da propaganda israelita. Por isso, Israel funda agora abertamente a recusa do regresso dos refugiados no que é, e sempre foi, a verdadeira razão: O regresso dos refugiados mudaria a composição étnica de Israel, que se "arriscaria" a deixar de ser um estado majoritariamente judaico. Ora, foi precisamente para evitar esse "perigo" que Israel expulsou muitos dos refugiados de suas casas.

Os refugiados palestinos são, de fato, muito numerosos. A 30 de Junho de 1999, a UNRWA recenseava 3.600.000. Não entram nesse número os que se tornaram refugiados em 1967 (mais de 50.000) e os seus descendentes. Sabe-se que existem mais umas centenas de milhar de palestinos que foram deslocados e não constam nas listas da UNRWA.

2 – Jerusalém Oriental. A parte oriental de Jerusalém foi conquistada em 1967. O plano da internacionalização de Jerusalém (na sua totalidade, indo até Belém) tendo sido aparentemente abandonado, a parte oriental da cidade é um dos territórios ocupados em 1967, que a Resolução 242 do Conselho de Segurança ordena devolver. O fato de Israel a ter anexado e de lhe ter alargado as fronteiras não muda de forma alguma o seu estatuto do ponto de vista da legalidade internacional. Essas medidas foram aliás declaradas nulas repetidas vezes pelas instâncias da ONU. No que se pode considerar um gesto de boa vontade, a Autoridade Palestina aceita ceder a Israel a soberania sobre partes de Jerusalém Oriental, nomeadamente o chamado "Muro das Lamentações", o único vestígio das construções ligadas ao templo judaico que se conhece12. Por ser o lugar do antigo templo judaico, do qual nada é visível, Israel opõe-se à soberania palestina sobre a Esplanada das Mesquitas, a qual com o santuário do Domo do Rochedo e a Mesquita de El-Aqsa, bem visíveis, é o terceiro lugar santo do islamismo.

3 – Assentamentos de Colonos. No decurso dos 35 anos de ocupação da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, Israel criou mais de duas centenas de Assentamentos de Colonos sobretudo na Cisjordânia. Para esse efeito, apoderou-se de todos os recursos hídricos e da maioria das terras da Cisjordânia: umas declarou-as baldias e as outras, nomeadamente as que pertenciam aos refugiados ou a outras pessoas ausentes em 1967, confiscou-as. Calcula-se que há hoje 200.000 israelitas a viver na Cisjordânia e outros tantos em Jerusalém Oriental, ao lado de cerca de 2.000.000 de palestinos. Na Faixa de Gaza há 6.900 israelitas, que dispõem de cerca de 20% do território, ao lado de cerca de 1.200.000 palestinos, dos quais cerca de 70% são refugiados. 33% dos palestinos da Faixa de Gaza vivem nos campos de refugiados administrados pela UNRWA. Superpovoada, a Faixa de Gaza é um dos territórios do mundo com maior densidade demográfica.

A instalação de cidadãos civis do estado ocupante num território ocupado é explicitamente proibida pela IV Convenção de Genebra relativa à Proteção das Pessoas Civis em Tempo de Guerra que Israel assinou. Por isso, a colonização israelita de Jerusalém Oriental e dos demais territórios ocupados foi muitas vezes declarada ilegal pelas instâncias da ONU (Conselho de Segurança e assembléia Geral). Nas mesmas ocasiões as ditas instâncias internacionais exortaram Israel a anular todas as medidas tomadas no sentido da colonização dos territórios ocupados.

Ainda é preciso assinalar algumas imagens correntes do conflito israelo-palestino que deformam completamente a realidade.

1 – Embora haja uma imensa admiração pelas proezas de Israel, nomeadamente pelas suas façanhas militares, tende-se não raro a pensar que as partes envolvidas no conflito israelo-palestino têm forças mais ou menos iguais. Ora, isso é inteiramente falso. Israel é uma grande potência militar não só regional, mas também mundial. Tem um dos exércitos mais poderosos do mundo e um poder econômico apreciável.

Além disso, seja qual for o seu governo ou a política seguida, tem disposto e continua a dispor, incondicionalmente, do apoio econômico diplomático e político dos EEUU, seja qual for o partido da sua administração. Ora, como se sabe, os EUA são atualmente a única superpotência e agem como donos incontestados do mundo. Pelo contrário, os palestinos são na sua maioria um povo de refugiados sem nada que se compare, nem de muito longe, com os trunfos de Israel. Aliás, a incipiente infra-estrutura econômica palestina foi em grande parte destruída por Israel nos últimos meses. Dada a imensa desigualdade das forças, é quase impossível que haja autênticas negociações entre as duas partes. De fato, Israel tem agido e continua a agir como quem quer, pode e manda, com a certeza de que os palestinos terão de acabar mais uma vez por vergar a espinha e aceitar as suas condições, apanhar as migalhas que eles se dignam atirar-lhes. Longe de reconhecer a imensa injustiça que cometeu e continua a cometer para com os palestinos, Israel tem agido e age para com eles com uma prepotência e uma arrogância imensas, particularmente chocantes porque vindas de pessoas que sabem, ou deviam saber, melhor do que ninguém o que é ser vítima da injustiça. Esse comportamento tem provocado e provoca cada vez mais uma humilhação indizível nos palestinos. Do ponto de vista humano, é porventura isso o que mais profundamente os fere.

A desproporção abissal entre as forças em presença explica a diferença na natureza das armas usadas e nas formas de combate adotadas por cada uma das partes, deitando cada uma mãos dos meios de que dispõe. À desproporção nas forças em presença corresponde naturalmente a desproporção na grandeza da violência e do terror semeados por cada uma das partes, no número de vidas destruídas e na importância dos danos materiais causados.

2 – Não é raro que os meios de comunicação social apresentem os palestinos como os iniciadores do conflito que os opõe a Israel, isto é, os agressores. Ora, isso é pôr a realidade do avesso. Na melhor das hipóteses, os meios de comunicação social apresentam as duas partes como se estivessem num pé de igualdade do ponto de vista jurídico e moral. Ora, isso é falso. Dêem as voltas que quiserem, mas o fato insofismável é que Israel é o ocupante e os palestinos são os ocupados. Israel é o opressor e os palestinos são os oprimidos. Os palestinos lutam para se libertar da ocupação e da opressão. Israel luta para perpetuar a ocupação e a opressão. Os palestinos, autóctones da Palestina, não invadiram a terra de ninguém, não colonizaram ninguém. Foram, sim, as vítimas de um processo de colonização clássico, do qual, em última análise, as potências européias vencedoras da Primeira Guerra Mundial – a Grã-Bretanha em primeiro lugar – assim como os EUA são em grande parte os responsáveis. Como costuma repetir o Patriarca Latino de Jerusalém, Monsenhor Michel Sabbah, a ocupação israelita é, no caso presente, a violência fundamental. É ela que engendra as outras violências de que tanto se tem falado nestes últimos tempos. Ao reconhecerem o Estado de Israel, quando dos acordos de Oslo, os palestinos renunciaram aos cerca de 78% da sua pátria de que o dito Estado os despojou em 1948-1949. A única coisa que reclamam é a devolução dos cerca de 22% da Palestina que Israel conquistou em 1967 para neles criarem o seu estado, ao lado do Estado de Israel. Assiste-os em toda a linha a legalidade internacional, cuja aplicação não fazem senão exigir. Não deve esquecer-se que a dita legalidade internacional, na realidade, consagrou em boa parte fatos consumados impostos pela força, que sempre beneficiaram os israelitas e lesaram os palestinos. A criação de um estado árabe ao lado de um estado judaico na Palestina foi recomendada pela resolução 181 da assembléia Geral da ONU de 29 de Novembro de 1947. Repare-se que a ONU atribuía ao estado árabe 43% do território, não os 22% que os palestinos hoje reclamam. A justiça mais elementar exige que os refugiados palestinos possam regressar a suas casas, se assim o desejarem, ou sejam indenizados pelo que perderam. Foi isso mesmo o que ordenou a Resolução 194 do Conselho de Segurança da ONU de 1948, Resolução essa que tem sido reafirmada pelas instâncias da mesma organização internacional dezenas de vezes. A retirada de Israel da Cisjordânia/Jerusalém Oriental e da Faixa de Gaza foi ordenada pela resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU de 1967.

Teoricamente, essas decisões da ONU deveriam ser executadas pura e simplesmente, sem regateios. As negociações, caso as houvesse, normalmente deveriam ter só por objeto as questões práticas relativas à execução das ditas decisões. Claro que quando há boa vontade, em particular no mundo mediterrâneo, são sempre possíveis acomodamentos e arranjos.

Entre os inumeráveis conflitos que ensangüentaram e ensangüentam o mundo no último século, o que opõe israelitas e palestinos é um dos mais duradouros e, sem dúvida, o que mais eco encontra no mundo, pelo menos no mundo que é herdeiro da tradição bíblica por intermédio do cristianismo, do islamismo e do judaísmo. Os simples cidadãos que somos, com maior razão se não somos nem israelitas nem palestinos, sentimo-nos completamente impotentes perante ele. Há uma coisa que podemos fazer, porventura a única. É oferecer a nossa simpatia e a nossa solidariedade não aos que querem eternizar a injustiça, mas àqueles, israelitas e palestinos, que procuram pôr-lhe fim, pelo menos na medida em que isso ainda é possível.

Um comentário:

**Michelle M.** disse...

É realmente muito triste e tragico o que se vê entre este povo que por sinal tb são nossos irmãos,filhos do nosso pai criador.Na realidade, no meu ponto de vista o problema está todo ai,ñ compreender que todos somos iguais e mortais que diante de Deus ñ existem grandes ou sobrenaturais,todos um dia daram conta de suas obras, quer sejam boas quer sejam mas.Gostei tanto do que escreveu que goataria de me tornar sua leitora.